Nesta semana, 14 de junho, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu salvo-conduto a três brasileiros para que possam cultivar Cannabis sativa (maconha) com a finalidade de extrair óleo da flor da planta para uso medicinal próprio, sem o risco de sofrerem qualquer repressão por parte da polícia e do Judiciário.
A decisão, unânime, tem causado interpretações falhas pela imprensa e da sociedade. Para esclarecer o assunto, o Instituto Mario Cardi Filho conversou com dois operadores do Direito, a advogada Especializada em Direito da Saúde e membro da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB/MT, Karoline Melo e o advogado constitucionalista e voluntário do Instituto, Marco Marrafon.
Ambos explicam que a decisão não se estende à sociedade em geral, nem para o cultivo nem para o uso. Ela é um avanço para a saúde pública abrindo precedente para que mais pessoas consigam através da Justiça o direito de utilizar o medicamento extraído da planta e não autoriza o plantio de maconha por outras pessoas no país.
“No termo jurídico a gente fala que é uma decisão não vinculante, ou seja, ela não é para toda a sociedade plantar a cannabis. Foram para três casos específicos que entraram com recurso porque nas instâncias anteriores eles tiveram a solicitação para plantio negados. Nessa decisão específica, ela vale somente para os casos julgados, ela não vincula nenhuma ação em andamento, mas ela pode orientar outros processos. Ela também é específica para a extração do óleo do cannabidiol para fins medicinais. Tem que ficar bem claro isso, não é para uso recreativo, inclusive na decisão cita que envolve saúde pública, dignidade da pessoa humana, não há nenhuma tipicidade de conduta, isso quer dizer que não há crime. Também vincula na decisão que essas pessoas apresentaram prescrição medica, autorização de importação da Anvisa e também expertise de produção do medicamento”, explica Karoline Melo.
“Nos casos analisados pelo STJ foram devidamente diagnosticados onde o uso de substancia extraída do cannabidiol traz benefícios à saúde desses pacientes. Há que se esclarecer que não está liberado o plantio nem o uso recreativo para ninguém”, detalha Marco Marrafon.
Marrafon acrescenta que há uma omissão do Estado Brasileiro em regulamentar a produção do medicamento no país o que baixaria o custo de acesso a esses medicamentos. “É permitido trazer o produto pronto de fora do Brasil, mas não é permitido produzir no Brasil, e essa omissão estatal tem gerado violação aos direitos da saúde dos cidadãos”.
Ambos os especialistas pontuam que tendo em vista os quadros de saúde desenhados no processo da utilidade do cannabidiol enquanto princípio ativo, se entendeu que não havia o dolo de cometer o tipo penal seja pelo motivo da utilização, seja pela finalidade de se usar.
“A finalidade é melhorar o quadro de saúde das pessoas e isso não pode ser considerado crime mediante omissão do Estado. Foi isso que foi decidido, um salvo conduto para o plantio regulado, sem sofrer constrangimento. Não é ad eternum essa autorização é por um período de tratamento, com início, meio e fim”, assevera Marco Marrafon.
Karoline Melo salienta ainda que “nesses casos específicos estão sendo autorizados a cultivar uma quantidade limitada de mudas, com documentação necessária, não vejo como um caminho de porta aberta de uso indiscriminado. Agora negar isso é fechar as portas para a saúde pública e deixar de ajudar os familiares e a sociedade que usam esse óleo de cannabidiol em tratamentos de epilepsia, ansiedade, depressão, câncer, casos gravíssimos. A maconha deveria somente ser utilizada para fins medicinais, como outras plantas medicinais”.
AS DECIÇÕES – Nos recursos sobre o tema, um de relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz (em segredo de Justiça) e o outro do ministro Sebastião Reis Júnior, o colegiado concluiu que a produção artesanal do óleo com fins terapêuticos não representa risco de lesão à saúde pública ou a qualquer outro bem jurídico protegido pela legislação antidrogas.
Os casos julgados pela turma dizem respeito a três pessoas que já usam o canabidiol – uma para transtorno de ansiedade e insônia; outra para sequelas do tratamento de câncer, e outra para insônia, ansiedade generalizada e outras enfermidades – e têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a substância. No entanto, elas alegaram dificuldade para continuar o tratamento, em razão do alto custo da importação.
Segundo o ministro Schietti, uma vez que a produção artesanal do óleo da Cannabis sativa se destina a fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo assinado por médico e chancelado pela Anvisa ao autorizar a importação, “não há dúvidas de que deve ser obstada a repressão criminal” sobre a conduta dessas pessoas.
Para o ministro Sebastião Reis Júnior, as normas penais relativas às drogas procuram tutelar a saúde da coletividade, mas esse risco não se verifica quando a medicina prescreve as plantas psicotrópicas para o tratamento de doenças.
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