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Artigo: Obituário Clóvis Irigaray Clovito 1949-2021

Não sou crítico de arte mas certamente Clovis Irigaray nascido em Alto Arguaia MT, que nos deixou hoje, está entre os maiores artistas plásticos de Mato Grosso, quiçá do Brasil.

Foi quem primeiro olhou o contato entre brancos e índios nos anos 70 em Mato Grosso com coragem artística e crítica através de suas obras de arte.

Sem o romantismo de José de Alencar e da literatura que influenciou parte das artes no Séc. XX, foi um modernista, um tropicalista empedernido.

Massacrou com seu pincel de ouro Peri e Ceci o, e o mito do Bom Selvagem de Rousseau.

Alguns o consideravam um gênio revolucionário, crítico da “aculturação” desses povos e outros como um artista louco.

Sua obra virou referência para antropólogos e artistas do Brasil inteiro, capas de livro e cartazes de encontros indigenistas das Ciências Sociais Brasil afora.

Clovito era um indigenista dos pincéis e assim foi a vida inteira, reverenciava nossos ancestrais com suas cores e matizes.

Quando na Ditadura de 64 os militares discutiam a Amazônia legal, ele pintou um índio como professor num quadro negro ensinando os engravatados.

Quando o homem foi a lua ele colocou um índio com Armstrong no espaço sideral e por último colocou uma Coca Cola na esteira do banquete das crianças xinguanas no meio da mata.

Para os olhos dos sensores militares ele fazia apologia ao progresso, mas para os militantes da esquerda era um grito de protesto contra o extermínio dos índios.

Não satisfeito, de questionar o poder político, a cultura de massa, questionou a catequização dos índios, profanando os símbolos sagrados dos católicos.

Pintou índias como madonas renascentistas e índios com o sagrado coração de Jesus no peito e outras outras tantas alegorias era o Sagrado Coração do Xingu.

E assim foi confundindo os repressores com sagacidade.

Para os olhos dos sensores militares ele fazia apologia ao progresso, mas para os militantes da esquerda era um grito de protesto contra o extermínio dos índios.

Sua obra foi um discurso pelo direito à diferença e a uma abertura na arte para um pensamento-outro.

Imaginou o Índio Santo, o Índio Imperador e o Índio Intelectual.

Hoje isso se chama decolonialidade.

Mas antes, nos anos 70, isso não tinha nem nome, para muitos não passava de devaneio de um artista alucinado.

Clovito como era conhecido era assim, tinha um terceiro olho que via por dentro da floresta de mentiras que estão em nossa volta.

O artista era tão apaixonado pela pintura que seu corpo virou uma galeria, uma obra de arte ambulante que foi tatuando com o tempo.

Que os espíritos da mata e os velhos xamãs o conduzam de volta na sua grande viagem à aldeia sagrada.

Obrigado Clovito por nos ensinar a enxergar o essencial que é quase sempre indizível em letras, cores e formas.

 

*Suelme Fernandes é historiador.

(Fonte: MidiaHoje.com.br)

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